domingo, 18 de setembro de 2011

Pelas obras da lei nenhuma carne será justificada






Há uma antiga lenda cristã que conta: "Quando o Filho de Deus foi pregado à cruz e entregou o espírito, foi diretamente da cruz ao inferno para libertar todos os pecadores que estavam sendo atormentados ali. O Diabo então chorou e lamentou porque achava que não conseguiria mais pecadores para o inferno. Deus então disse a ele: 'Não chore, porque vou mandar até você toda aquela gente santa que se tornou complacente com a consciência da sua bondade e cheia de justiça própria na sua condenação dos pecadores. E o inferno ficará repleto mais uma vez por gerações, até que eu venha novamente".[1]
Quanto tempo será necessário até que descubramos que não somos capazes de ofuscar a Deus com nossas realizações?
Quando reconheceremos que não precisamos e não temos como comprar o favor de Deus?
Quando reconheceremos que não temos de forma alguma os requisitos necessários e aceitaremos alegremente o dom da graça? Quando iremos apreender a empolgante verdade de Paulo: "sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus" (Gl 2:16)?
A fé autêntica nos leva a tratar os outros com seriedade incondicional e a uma reverência amorosa pelo mistério da personalidade humana. O cristianismo autêntico deveria conduzir à maturidade, à personalidade e à realidade. Deveria moldar homens e mulheres que vivam integralmente vidas de amor e de comunhão.
A religião falsa e manipulada produz o efeito oposto. Quando a religião demonstra desdém e desrespeita os direitos das pessoas, mesmo alegando os pretextos mais nobres, ela nos afasta da realidade e de Deus. Podemos aplicar "linguagem reversa" à religião, e fazer da religião uma fuga da religião.
O Evangelho de João mostra que os líderes religiosos de Israel estavam preocupados com Jesus.
Então, os principais sacerdotes e os fariseus convocaram o Sinédrio; e disseram: Que estamos fazendo, uma vez que este homem opera muitos sinais? Se o deixarmos assim, todos crerão nele; depois, virão os romanos e tomarão não só o nosso lugar, mas a própria nação. Caifás, porém, um dentre eles, sumo sacerdote naquele ano, advertiu-os, dizendo: Vós nada sabeis, nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo e que não venha a perecer toda a nação (Jo 11:47-50).
Algo terrível aconteceu a Caifás. A religião abandonou o domínio do respeito pela pessoa. Para Caifás o sagrado tornou-se instituições, estruturas e abstrações. Ele dedica-se ao povo, de modo que indivíduos de carne e osso são dispensáveis. Caifás dedica-se à nação. Mas a nação não sangra como Jesus. Ele dedica-se ao Templo — impessoais cimento e pedras. Caifás tornou-se impessoal ele mesmo, não mais um ser humano caloroso, mas um robô, tão rígido e inflexível quanto seu mundo imutável.
A escolha normalmente apresentada aos cristãos não é entre Jesus e Barrabás. Ninguém quer se identificar com quem é tão obviamente um assassino. A escolha com a qual temos de ser cuidadosos é entre Jesus e Caifás. E Caifás nos engana. Ele é um homem muito "religioso".
O espírito de Caifás é mantido vivo em todos os séculos nos burocratas religiosos que condenam sem hesitação gente boa que quebrou leis religiosas ruins. Sempre por uma boa razão, é claro: pelo bem do templo, pelo bem da igreja. Quanta gente sincera já foi banida da comunidade cristã por religiosos ávidos de poder com um espírito tão entorpecido quanto o de Caifás?
O espírito embotador da hipocrisia vive nos clérigos e políticos que desejam ter uma boa imagem sem serem de fato bons; vive nas pessoas que preferem entregar o controle das suas vidas a regras a correr o risco de viver em união com Jesus.


[1] Anthony de Mello. The song of the bird. Anand, Índia: Gujaret Sahitya Prakash, distribuído por Chicago: Loyola University Press, 1983, p. 130.
Extraido de "O evangelho maltrapilho"





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